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Updates: Dorothy Forstein e a Família Godard

Olá curioso! Há algum tempo eu não faço um update dos casos que já foram postados no blog. Deixa eu refrescar sua memória! O primeiro caso foi o do Brian Shaffer, que foi dividido em duas partes, a primeira te contando a história e a segunda te contando as minhas descobertas. Talvez esse caso tenha uma terceira parte no futuro, mas ainda não é o momento certo. Depois disso vieram o caso da Asha Degree e do Assassino do Tylenol. Esses dois casos já ganharam seus updates, que você pode conferir aqui.

Agora chegou a vez de te falar sobre como andam as minhas pesquisas sobre mais dois casos: O meu preferido de todos os tempos, Dorothy Forstein; e um dos casos preferidos de vocês, o da Família Godard. Vamos começar?

Dorothy Forstein

Se você não lembra muito bem como é esse caso, pode clicar aqui. Dorothy era casada com um juiz, Jules Forstein, e tinha três filhos, duas meninas adotivas que eram filhas do primeiro casamento de seu marido, e um menino pequenininho que era filho dos dois. Os Forstein moravam na Filadélfia e tinham uma vida completamente normal, até que um homem entrou na casa e atacou Dorothy, a espancando até quase a matar. Nunca souberam quem fez isso ou o motivo. Alguns anos depois, Dorothy foi levada de sua casa de acordo com o testemunho de sua filha mais nova. Mas ninguém nunca ligou pedindo um resgate e Dorothy nunca mais foi vista.

Eu resolvi fazer uma busca em um banco de dados dos jornais americanos, principalmente os jornais da região da Filadélfia, e procurar notícias que falassem sobre Dorothy e sobre a família Forstein em geral. Como esse é um caso que já aconteceu há mais de cinquenta anos, é bem mais difícil conseguir fontes para entrevistar e descobrir novas informações, por isso os jornais são a melhor base de pesquisa para mim.

Uma das coisas que me causaram estranheza é saber que o marido só reportou o desaparecimento de Dorothy dois dias depois do acontecido. De acordo com a filha Marcy, ela foi levada por um homem estranho na terça feira a noite, e Jules Forstein só teria entrado em contato com a polícia na quinta feira. Se alguém da sua família desaparece e há uma testemunha afirmando que ela foi levada embora de casa desacordada, eu acredito que assim que você souber disso vai ligar para a polícia desesperado. Se fosse a minha mãe então, ia ligar para a polícia, para os bombeiros, para o Samu, até para a SWAT e para a NASA se duvidar. Então por que ele esperaria 2 dias? Em casos de desaparecimento ou assassinato, as primeiras 48 horas são cruciais para as investigações. A memória das pessoas está mais fresca, há uma riqueza maior de detalhes, as evidências forenses podem ser coletadas mais rapidamente e com uma chance muito menor de contaminação. Eu imagino que se até eu sei disso, um juiz federal também saberia.

Notícia sobre o desaparecimento que cita que ela sumiu na terça e o marido procurou a polícia na quinta Fonte: The Telegraph

E fica ainda pior quando a gente se lembra que a família não queria a mídia noticiando o desaparecimento de Dorothy e conseguiram praticamente varrer a história para baixo do tapete cerca de uma semana depois. O que, eu devo dizer, tornou o meu trabalho muito mais difícil. Até hoje os 3 filhos de Jules e Dorothy se recusam a falar sobre o assunto, e quando algum site de mistério e crimes reais fala sobre o caso de Dorothy nos EUA, o advogado da família pede que o artigo seja retirado do ar.

Eu até consegui os contatos de Marcy e Edward Forstein (os dois filhos mais novos) e enviei e-mails para os dois, mas é claro que eles se recusaram a falar. E Marcy é alguém que eu gostaria muito de ouvir para saber sobre o que ela se lembra do dia e do homem especificamente, e também sobre o que ela acha que aconteceu com a mãe. Mas isso não será possível.

E vocês se lembram também do ataque que Dorothy sofreu em sua casa alguns anos antes de desaparecer, é claro. Por muito tempo a polícia trabalhou tentando encontrar pistas sobre quem fez isso e a conclusão que eles chegaram é que só podia ser algum homem que havia se sentido prejudicado pelo juiz de alguma forma. Grande coisa. É uma conclusão que qualquer um poderia ter tirado. O problema é que eles não fizeram mais nada para tentar estabelecer quem poderia ser esse homem, já que o próprio Jules disse que não se lembrava de ninguém que pudesse querer se vingar dele.

O intrigante é que se até eu, cinquenta anos depois e usando apenas jornais antigos como fonte, consegui encontrar pelo menos uma pessoa que teria motivos para sentir muita raiva do juiz, se a polícia quisesse teria conseguido encontrar diversos suspeitos. Eles tinham recursos que eu não tenho e tinham acesso a diversos documentos, evidências e testemunhas naquela época. Você deve estar se perguntando quem é a pessoa que eu encontrei. O nome dele é Morris Anmuth e ele foi condenado a pagar uma multa pelo juiz Jules Forstein pela confusão e desordem que ele causou quando foi espancado por dois policiais na rua.

Notícia reportando sobre Jules e a multa de dez dólares
Fonte: The Telegraph

Isso mesmo! Ele apanhou e ainda teve que pagar uma multa. Morris estava no comício de um candidato a presidente e o vaiou por não concordar com o que ele falava. Apareceram dois policiais que deram voz de prisão a ele, o acusando de estar começando um motim, de ter uma conduta inapropriada e de vandalismo. Morris discordou e disse, com razão, que só estava exercendo seu direito democrático, então os policiais o retiraram do local a força e passaram mais de 20 minutos espancando-o.

Morris foi levado para um hospital com urgência por causa da violência e dos ferimentos sofridos, e logo depois de ser tratado foi arrastado para a delegacia pelos dois policiais, que o acusaram de resistir à prisão e desacato as autoridades, além das acusações feitas antes do espancamento. Ele tentou dar queixa dos dois policiais na delegacia, e foi levado para ver um juiz, Jules Forstein, que não só retirou as queixas que ele havia feito como o fez pagar uma multa de dez dólares por causa de suas atitudes desordeiras e a acusação de motim.

Além de ficar com raiva dos policiais, eu acredito que Morris teria motivo o suficiente para ficar com muita raiva do juiz também. Talvez não o suficiente para ir atrás da mulher dele e espanca-la quase até a morte, mas vai saber. E seria muito fácil para Morris, ou qualquer outra pessoa que quisesse se vingar ou acertar contas com Jules Forstein, descobrir onde ele morava. Assim que foi nomeado como magistrado, saiu no jornal sobre sua indicação e na notícia incluía nada mais nada menos do que o endereço da casa dele. E o pior de tudo é que essa não foi a única vez em que o endereço apareceu no jornal. Até depois de virar juiz o endereço continuou aparecendo várias vezes. Então, se a polícia quisesse, dava para fazer uma triagem de pessoas afetadas ou prejudicadas pelo juiz e tentado identificar quem era o homem que espancou Dorothy.

“Forstein, que mora no número 1825 da Rua Franklin…”
Fonte: The Telegraph

Outras coisas que eu descobri foram rumores locais que afirmavam que Jules havia determinado que a mulher fosse internada num hospital psiquiátrico, e que o homem que a levou de casa era um dos enfermeiros do hospital. Ele a teria internado por causa da depressão e do estresse pós traumático que ela estava sofrendo. Naquela época esses tipos de transtornos psicológicos eram muito estigmatizados, e os tratamentos eram muito polêmicos e pareciam mais torturas do que tratamentos, como o eletrochoque e a lobotomia. Nenhum juiz iria querer que o público soubesse que sua esposa era “louca”, muito menos que ele a internaria num manicômio. Então, se ele realmente fosse fazer isso, seria escondido.

É claro que Dorothy pode ter realmente sido sequestrada mas algo tenha dado errado. Ela poderia também já estar morta quando foi tirada de casa, já que a filha viu a mãe desacordada sendo carregada. Quem garante que ela ainda estava viva? Ela também pode ter resolvido simplesmente fugir e a história da filha não era real.

Essa teoria dela ter fugido por conta própria foi estimulada por uma notícia que saiu no Philadelphia Inquirer sobre um policial que acreditava ter visto Dorothy duas vezes após o desaparecimento. Edward Shapiro, entrou em contato com a polícia da Filadélfia afirmando ter visto uma mulher loira, cujos traços batiam exatamente com a descrição de Dorothy Forstein, por duas noites consecutivas em uma rua movimentada de Camden. Edward afirmou que ele notou a mulher parecida com Dorothy duas semanas após seu desaparecimento, numa sexta feira a noite, quando ela saía da cabine telefônica de uma loja de doces, e que pareceu assustada ao ver que havia um policial ali e que ele a estava observando. Ela saiu andando apressada e ele a seguiu discretamente até uma taverna onde ela se sentou para beber uma cerveja. Quando ela o viu entrar no local, ela saiu correndo.

Relato do policial que acredita ter visto Dorothy
Fonte: The Telegraph

Na noite seguinte, Edward a viu novamente conversando com um homem na esquina de duas ruas. Ele se aproximou discretamente e ouviu ela rindo e falando alto para o homem “eu só tenho um braço”. Isso chamou a atenção dele, porque ele se lembrava que estava especificado nos folhetos de desaparecimento que o ombro direito de Dorothy frequentemente se deslocava, por causa do ataque sofrido anos antes, e que algumas vezes por ano ela precisava ser levada ao hospital para que botassem o ombro dela de volta no lugar. A polícia de Camden e da Filadélfia foram alertadas e várias buscas aconteceram na cidade, incluindo em hotéis, hospitais, necrotérios, mas nem sinal de Dorothy.

Apesar dos relatos do policial ajudarem a corroborar uma teoria de que Dorothy teria fugido por conta própria, o fato da conta bancária dela ter permanecido intocada e de nada ter sido retirado nas semanas anteriores ao desaparecimento, pode nos mostrar exatamente o contrário. Ninguém planeja uma fuga sem levar dinheiro nenhum, acredito eu.

Dorothy Forstein é declarada oficialmente como morta
Fonte: The Telegraph

Alguns anos após o desaparecimento o juiz Jules faleceu. A filha mais velha dele, Myrna, entrou com uma petição para que a madrasta fosse declarada legalmente morta e assim os três filhos pudessem realizar o inventário e dividir os bens do casal Forstein entre eles. Dorothy foi declarada morta em outubro de 1956. Ela havia deixado quase dez mil dólares em sua conta bancária e o juiz havia deixado algumas propriedades e quase cinco mil dólares em dinheiro. Os bens foram divididos pelos herdeiros e as buscas por Dorothy foram oficialmente encerradas.

Godard

O caso da família Godard também é bem intrigante, e você pode relembrar clicando aqui. O pai, Yves Godard, pega os dois filhos, Camille e Marius, e os leva para velejar. Eles não retornam no dia marcado, a polícia inicia as buscas, encontram sangue da mãe, Marie France, no carro e dentro da casa da família. Alguns anos depois ossos de Camille e Yves são encontrados. De Marie e Marius nunca mais se teve notícias.

Esse é um caso francês que aconteceu na região da Bretanha, o que é um pouco desafiador já que eu não sei mais de duas ou três palavras em francês. Mesmo assim, eu continuei tentando me atualizar sobre o caso e procurando dados que talvez tenham passado despercebidos por mim quando escrevi o artigo.

Uma das coisas que descobri é que tanto Yves quanto Marie já tinham dois filhos cada um, de relacionamentos anteriores, além de Marius e Camille que eles tiveram juntos. Yves tinha dois filhos homens de 15 e 17 anos de seu primeiro casamento, mas não era próximo de nenhum dos dois. Já Marie France também tinha dois filhos – um filho de 15 anos e uma filha de 16. Os dois moravam com o pai, não muito distante da casa de Marie e Yves, e viam a mãe com frequência. Inclusive, registros telefônicos mostram que Marie falou com a filha por telefone por volta das 17h do dia 31 de agosto, o último dia em que ela foi vista com vida. E Marie não mencionou nada à filha sobre uma viagem de barco no dia seguinte.

Também consegui encontrar relatos dos vizinhos da família Godard, que logo no início das investigações já começaram a falar sobre como Yves Godard era um pouco estranho. Aparentemente Yves era muito recluso, realizava as tarefas domésticas em horários atípicos (tipo tirar o lixo de madrugada) e sempre tentava evitar contato com os outros. Os vizinhos também falaram que nunca viam os Godard receberem familiares e amigos em casa, só mesmo o casal de filhos de Marie, e geralmente quando Yves não estava. Os vizinhos também relataram que no dia anterior à partida da família para a viagem de barco, houve uma violenta discussão entre o casal Godard, que pôde ser escutada pelos moradores da casa em frente e ao lado da deles.

Um vizinho com quem Yves havia parado para conversar no início do verão de 1999 afirmou que o médico parecia muito cansado e que mencionou que não tiraria férias com a família naquele verão, porque estava com graves problemas financeiros. Isso chamou a atenção do vizinho exatamente porque Yves não costumava parar para conversar, muito menos dava detalhes íntimos de sua vida.

Na região onde a família morava, na cidade de Caen, os rumores que correm são de que Yves já havia planejado o desaparecimento ou morte da família há algum tempo. A agenda do doutor Godard estava cheia de consultas marcadas (para pacientes reais e inventados) nos dias 1, 2 e 3 de setembro. Isso corrobora com a tese de premeditação, já que ele se deu ao trabalho de falsificar toda a agenda de pacientes. E também mostra como ele parecia não se importar que a polícia investigasse e descobrisse a falsificação, porque ele tinha certeza que não voltaria mais.

E não só isso, os moradores acreditam também que Marie France estava a par do plano do marido e havia concordado com ele, mas a discussão na noite anterior deve ter acontecido porque ela teve dúvidas ou resolveu que não queria mais fazer isso, não queria simplesmente desaparecer e deixar seus filhos mais velhos sem notícias dela para sempre. Yves então teria se irritado, a discussão teria se agravado e ele acabaria matando a mulher. Na calada da noite ele teria dado morfina para os dois filhos para que eles dormissem profundamente enquanto ele saía para se desfazer do corpo. Quanto a todo o sangue que ficou espalhado pela casa e pelo carro, ele pode não ter tido tempo de limpar ou pode simplesmente não ter se importado que alguém encontrasse.

No fim de setembro daquele mesmo ano, a polícia francesa recebeu uma carta anônima dizendo que Yves, Marius e Camille estavam na Ilha de Man, na Inglaterra, e que ainda havia tempo para que as crianças fossem salvas. Os policiais foram até a ilha e o gerente de um hotel afirmou que entre os dias 7 e 14 de setembro Yves e os filhos ficaram hospedados ali. Mas não havia mais ninguém que pudesse confirmar ou nenhuma evidência de que isso fosse verdade. Então o testemunho do gerente foi desconsiderado pela polícia, que acreditou que a carta poderia ter sido enviada para despistar os investigadores.

Uma segunda carta foi enviada em 8 de outubro, informando à polícia que os três estavam em Lewis Island, na costa da Escócia. Dois investigadores então foram enviados para lá, mas foram recebidos com muita hostilidade pela polícia escocesa. O máximo que eles conseguiram foi falar com um homem que vendia passagens na estação de balsas, que afirmou de forma muito convincente que ele viu Yves e as crianças no início de outubro.

Os dois franceses tentaram seguir essa possível pista na época, mas a investigação foi dificultada pelo que foi descrito como “protocolos internacionais”. Os oficiais tiveram problemas com o Gabinete da Coroa por causa da papelada necessária para realizar investigações na Escócia e, a certa altura, foram mantidos sob prisão domiciliar nos quartos de hotel onde estavam hospedados.

A polícia francesa também tentou determinar se Yves Godard possuía alguma ligação com a Escócia, mas nada foi comprovado. Os investigadores recorreram à especialistas em caligrafia, que determinaram que a letra parecia ser de uma mulher, provavelmente com mais de 60 anos, que era próxima de Yves Godard. Os policiais então reuniram aproximadamente 300 mulheres que moravam na região de Caen e que conheciam Yves para testar suas caligrafias. Como isso não funcionou, eles pegaram amostras de DNA de todas elas para ver se era compatível com o selo do envelope, que havia sido lambido pela pessoa que o enviou. Não houve nenhuma combinação.

No início de maio de 2000, investigações também foram realizadas na Ilha da Madeira, onde foi descoberto que Yves Godard havia aberto uma conta bancária. Porém, não houve movimentos nessa conta desde alguns meses antes do desaparecimento.

O escritor das cartas anônimas finalmente foi revelado em 2007 após ter enviado uma carta para o prefeito de Lingèvres falando sobre o corpo no cemitério. Ele disse que tentou encontrar o prefeito pessoalmente, mas quando não conseguiu, escreveu a carta. Ele também conseguiu comprovar que havia escrito as outras duas cartas porque possuía informações que só quem as escreveu poderia fornecer. Ele era um empreiteiro aposentado que havia resolvido se tornar um vidente e afirmou ter usado um pêndulo em uma foto de Marie France e um mapa, que o levou primeiro à casa da família Godard e depois ao cemitério. Bom, os poderes dele funcionaram em parte, porque realmente havia um esqueleto naquele lugar, só não era o de Marie France.

Em 4 de setembro de 2012, o caso foi oficialmente arquivado. Após treze anos de investigação, 84 cartas rogatórias entre a França e outros países, e um arquivo de 30 volumes, o tribunal declarou que a única conclusão possível de ser tirada é que a família desapareceu em uma viagem de barco e que, embora a explicação mais provável seja que Yves Godard matou sua família, eles não têm provas concretas que isso seja o que de fato aconteceu. “Não podemos afirmar formalmente que Yves Godard é o autor do homicídio de sua esposa, tampouco de seus filhos” disse o promotor público de Saint-Malo na época, Alexandre de Bosschère. Desde então, nada de novo aconteceu ou foi descoberto.

 

Referências:
The Telegraph
Le Point
RTL
Le Parisien

 

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