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Percy Fawcett – uma vítima da Amazônia?

O ano é 1925. Em 20 de abril Percy Fawcett, um explorador, geógrafo, arqueólogo e cartógrafo britânico veio ao Brasil para explorar as raízes da Amazônia. Sua busca pela cidade perdida de Z foi o que o trouxe até aqui, uma cidade supostamente enterrada na Amazônia há milhares de anos. Essa cidade também pode ser conhecida como El Dorado, ou a cidade perdida do ouro.

Quem era Percy Fawcett?

Percy Fawcett
Fonte: Wikipedia

Percy Fawcett nasceu em 1867 na Inglaterra. Seu pai nascido na Índia era membro da Royal Geographic Society. O irmão mais velho de Percy, Edward Fawcett, era alpinista, ocultista oriental e escritor popular de romances de aventura. Com o histórico de sua família, não é de surpreender que Percy tenha se tornado um aventureiro.

Em 1886, Percy recebeu um posto na Artilharia Real e serviu no Ceilão, onde conheceu sua esposa Nina. Mais tarde, ele trabalhou no serviço secreto britânico no norte da África e aprendeu o ofício do agrimensor, realizando levantamentos topográficos, elaborando documentos cartográficos e demarcando terras.

As primeiras expedições de Fawcett

A primeira expedição de Percy Fawcett à América do Sul foi em 1906, quando viajou ao Brasil para mapear uma área de selva na fronteira do Brasil e da Bolívia, a pedido da Royal Geographic Society; a sociedade havia sido contratada para mapear a área e atuar como um “júri imparcial”, que não seria influenciado pelos interesses nacionais locais.

Enquanto estava na expedição, Percy alegou ter visto e matado uma anaconda gigante, pela qual foi amplamente ridicularizado pela comunidade científica. Mas como sabemos hoje, as sucuris podem chegar a mais de 6 metros de comprimento. Elas podem até engolir crocodilos inteiros de uma só vez. Percy também relatou avistamentos de outros animais misteriosos desconhecidos pela zoologia naquela época, como um pequeno cachorro parecido com um gato do tamanho de um cão de caça, que ele alegou ter visto duas vezes (hoje em dia sabe-se que o animal que ele viu era um cachorro-vinagre).

Percy Fawcett fez sete expedições entre 1906 e 1924. Ele se dava bem com os habitantes locais através de presentes, paciência e comportamento cortês. Ele retornou à Grã-Bretanha para o serviço ativo no exército durante a Primeira Guerra Mundial, mas após a guerra ele voltou ao Brasil para estudar a fauna e a arqueologia locais.

O Manuscrito 512

Primeira página do Manuscrito 512
Fonte: Wikipedia

O manuscrito N. 512 foi encontrado por Percy Fawcett na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, por volta do ano de 1920. Ele já estava intrigado com rumores que os índios locais lhe contaram sobre uma cidade perdida nas áreas desconhecidas da selva, então o velho documento o convenceu de que os boatos eram verdadeiros.

O documento afirmava que em algum lugar, no início de 1600, um homem filho de um português com uma índia, conhecido pelos nativos como Muribeca, descobriu minas de prata, ouro e pedras preciosas. Quando ele morreu, por volta de 1622, o segredo dessas minas valiosas morreu com ele. O manuscrito também falava de uma expedição portuguesa à Amazônia em 1743, que descobriu as ruínas de uma imensa cidade de pedra, aparentemente abandonada e, em alguns dos monumentos de pedra teriam sido encontrados hieróglifos semelhantes ao celta Ogham, uma extinta língua irlandesa.

Percy supôs que essa cidade perdida existisse na região de Mato Grosso e poderia ter 11.000 anos de idade e conter muito ouro. Talvez esse lugar fabuloso fosse uma das Sete Cidades, pelas quais os conquistadores haviam procurado em vão por séculos, ou a lendária Cidade Perdida de El Dorado. Ele chamou o lugar de Z e supôs que poderia ser a capital da lendária Atlântida, ou que também tivesse alguma conexão com os antigos celtas, um povo de pele clara, cabelos ruivos ou loiros, cujos descendentes Percy alegou ter visto durante suas viagens pela Amazônia.

Embora ele nunca tivesse tropeçado em nenhuma cidade antiga de pedra em suas muitas missões anteriores, ele estava convencido de que Z estava escondida na selva para ser encontrada. Rumores de minas perdidas, cidades e ruínas antigas são bastante comuns nas profundezas da América do Sul, e esse seria o foco de sua expedição em 1925.

Última expedição de Percy Fawcett

Jack Fawcett
Fonte: History vs Hollywood

Com o financiamento de um grupo de Londres conhecido como The Glove, a expedição finalmente se reuniu em 1925, consistindo em Percy, seu filho mais velho, Jack, e o melhor amigo de Jack, Raleigh Rimmell. Ele sempre preferiu pequenos grupos, acreditando que pareceria menos uma invasão aos índios e, portanto, teria menos probabilidade de serem atacados. Percy não era novato na exploração da selva e sabia exatamente o que seria necessário e, portanto, planejou a expedição de acordo. O coronel estudara lendas antigas e registros históricos e estava convencido de que Z se localizava em algum lugar do Mato Grosso.

Raleigh Rimmel
Fonte: History vs Hollywood

Percy deixou instruções afirmando que, se sua expedição não retornasse, nenhum grupo de resgate deveria ser enviado, para que não sofressem o mesmo destino. Ele disse: “Não quero que grupos de resgate venham nos procurar. É muito arriscado. Se com toda a minha experiência não conseguimos, não há muita esperança para os outros. Essa é a razão pela qual não estou dizendo exatamente para onde estamos indo”.

O que aconteceu com a expedição do coronel?

O último sinal de Percy Fawcett e seu grupo foi em 29 de maio de 1925, quando ele telegrafou para a esposa Nina que estava pronto para entrar em território inexplorado com Jack e Raleigh Rimmell. Eles teriam atravessado o Alto Xingu, um afluente sudeste do rio Amazonas, e logo entrariam no domínio de tribos indígenas hostis. A expedição não era esperada de volta até 1927, e quando eles não reapareceram da selva naquele ano, chamou a atenção do público e os jornais logo começaram a especular sobre o que poderia ter acontecido com eles.

Percy e Raleigh – última foto antes de entrarem em território desconhecido
Fonte: Fawcett Adventure

Como era de se esperar, os dedos foram apontados para as tribos locais de índios. Várias tribos foram mencionadas na época incluindo os índios Kalapalos, que os viram pela última vez no Dead Horse Camp, sua última posição confirmada, e também as tribos Arumás, Suyás ou Xavantes, em cujo território a expedição estava entrando. O que foi relatado pelas tribos indígenas é que os dois homens mais jovens estavam coxos e doentes quando vistos pela última vez.

As buscas pela expedição

Apesar dos desejos do coronel de que ninguém os procurasse se não retornassem, mais de uma dúzia de expedições partiram para procurá-los. Parecia que, para alguns, procurar Percy Fawcett se tornou uma obsessão, até uma espécie de profissão, oferecendo exatamente o tipo de aventura que o próprio coronel achou tão viciante. E também havia ganho comercial, seja na forma de acordos de livros e artigos de jornal para as principais equipes de resgate, ou recompensas para os índios dispostos a revelar evidências, ainda que ilegítimas, da expedição perdida.

George Miller Dyott

A primeira grande expedição de resgate foi realizada em 1928, liderada pelo comandante George Miller Dyott, um homem aventureiro e familiarizado com as florestas brasileiras. Apesar de ser apelidada como “The Suicide Club”, a expedição atraiu um grande número de voluntários em busca de aventura. George voltou afirmando ter encontrado evidências que confirmavam que Percy Fawcett havia sido morto pelos índios.

Segundo seu relato, George pegou a trilha de Percy e a seguiu pelo interior do centro-oeste e pela floresta amazônica. Pelo que ele conseguiu captar da tribo Kalapolo e pela descoberta de uma placa com o nome de Fawcett no pescoço de um índio, ele supôs que o coronel e os outros dois homens provavelmente haviam sido massacrados. Mas na verdade a placa havia sido presente de Percy para a tribo em uma outra expedição, sete anos antes, e George foi mantido em cativeiro pelos índios e mal escapou com vida.

George Miller Dyott em sua expedição
Fonte: BFI Player
Stephan Rattin

Em 1931, um viajante suíço chamado Stephan Rattin viajou para o Mato Grosso ao longo do Rio Arinos, onde alegou ter conhecido um homem branco idoso de barba longa, mantido em cativeiro por índios perto de um afluente do Rio São Manoel. Ele disse que o homem se revelou como coronel Percy Fawcett. Eles conversaram em inglês e o velho implorou a Stephan que informasse a um amigo dele, chamado Paget, sobre sua situação. Um major T. B. Paget realmente existiu e ajudou a financiar a última expedição de Percy.

Stephan prometeu ao velho que faria o que ele pediu e iria a São Paulo para entregar a mensagem ao Major Paget. Ao amanhecer, ele partiu em uma jornada de volta que levaria cinco meses.

Embora a história de Stephan tenha despertado interesse suficiente para a organização de outra equipe de resgate, ele desencorajou qualquer tentativa de organizar uma expedição, e em vez disso partiu sozinho para tentar trazer o velho de volta, dizendo: “O coronel inglês me recompensará depois.” Stephan inclusive deu uma descrição de um anel de sinete que o homem usava, que segundo Nina, correspondia exatamente à um anel que seu marido nunca tirava.

Stephan Rattin nunca mais retornou ou foi visto depois que partiu para a selva novamente, no entanto, o anel de sinete o fez. De alguma forma o anel chegou à Inglaterra e a filha de Percy Fawcett, Joan, identificou-o sem hesitar como sendo de seu pai. O anel possui o lema da família Fawcett, “Nec Aspira Terrent”. (Dificuldades sejam superadas). A família é inflexível: O coronel não teria se separado do anel, exceto em circunstâncias extraordinárias.

O anel de Percy Fawcett
Fonte: Fawcett Adventure
Coronel Aniceto Botelho

Em junho de 1933, uma bússola pertencente à Percy Fawcett foi encontrada perto da tribo dos índios Baciary do Mato Grosso pelo coronel Aniceto Botelho. A excelente condição da bússola levou a esposa de Percy, Nina, a acreditar que ele ainda estava vivo. Em uma carta datada de fevereiro de 1940, ela escreveu: “essa é a razão para acreditar que o coronel ainda estava vivo e trabalhando com seus instrumentos de pesquisa na floresta do Mato Grosso até abril de 1933. Meu marido estava vivo, trabalhando e provavelmente tinha uma certa quantidade de liberdade, embora sob vigilância constante da tribo indígena que, creio, os capturou por volta de 1926 ou 1927, e com essas pessoas eles foram obrigados a permanecer”. Infelizmente Nina estava errada, pois foi comprovado que a bússola foi deixada para trás antes do coronel deixar seu último local conhecido, o Dead Horse Camp.

Bússola de Percy Fawcett
Fonte: Fawcett Adventure
Orlando Villas Boas

Em 1950 os índios Kalapalo confidenciaram aos irmãos Villas Boas (exploradores e sertanistas), a história do pequeno grupo que havia sido morto muitos anos antes quando passava na região. A narrativa levou a crer que este era o grupo de Percy Fawcett. O coronel teria repreendido crianças da aldeia que ficavam perto de seu acampamento tocando nos objetos pessoais dos exploradores. A conduta do coronel não teria agradado os pais das crianças que responderam à conduta ofensiva do visitante. Jack e Raleigh teriam sido flechados e descartados no rio. O coronel teria sido morto com golpes de borduna e enterrado numa cova rasa rente a uma árvore.

Diante desta declaração, Cláudio e Orlando Villas Bôas localizaram o local onde teria sido morto o explorador inglês. Lá foram achados ossos humanos e objetos pessoais evidentemente de nossa sociedade. Teria, assim, terminado o mistério do desaparecimento de Percy Fawcett.

Em 1951, Orlando Villas Boas supostamente recebeu a ossada de Fawcett, que passou por inúmeros testes, no Brasil e Inglaterra. A análise confirmou os ossos como sendo de Fawcett, mas o filho mais novo de Percy, Brian Fawcett, se recusou a aceitá-los. Villas Boas afirmou que Brian estava interessado demais em ganhar dinheiro com livros sobre o desaparecimento de seu pai, porém análises científicas posteriores confirmaram que os ossos realmente não eram de Fawcett.

Villas Boas com a ossada que ele afirmou ser de Percy Fawcett
Fonte: CGN
Benedict Allen

Em 1998, o explorador inglês Benedict Allen fez um documentário chamado Fawcett’s Bones. Ele começou a conversar com os índios Kalapalo – a tribo que Villas Boas disse ter confessado ter matado os três membros da expedição. Um ancião da tribo, Vajuvi, afirmou durante uma entrevista que os ossos encontrados por Villas Boas cerca de 45 anos antes não eram de Percy. Vajuvi também negou que sua tribo tenha participado do desaparecimento da expedição.

O ancião revelou que os irmãos Villas Boas chegaram na tribo em 1950 e pediram que desenterrassem os ossos do índio mais alto que eles conheciam, com a intenção de divulgá-los como restos mortais de Percy. Vajuvi, mostrou o local da sepultura da qual os ossos foram retirados. Os ossos dados (sem dúvida a um preço) à Orlando eram na verdade os de seu avô, porque ele era extraordinariamente alto para um índio.

No documentário, Benedict também conta uma história oral da tribo Kalapalos sobre Percy que relata que seu grupo permaneceu na vila por alguns dias e depois partiram para o leste. Os Kalapalos advertiram que eles não seguissem por esse caminho, alegando que eles seriam mortos pelos “índios ferozes” que ocupavam aquele território, mas Percy insistiu em ir.

Benedict Allen em sua expedição
Fonte: The Guardian

Conclusão

É improvável que algum dia conheçamos as verdadeiras circunstâncias que levaram à morte dos membros da expedição. Existem muitas possibilidades como terem sido mortos por uma tribo hostil, terem pego uma infecção e morrido por falta de cuidados e medicamentos, podem ter sofrido algum acidente, morrido de fome, pela picada de algum animal venenoso, ou o que mais você quiser imaginar.

Capa do livo do Arthur Conan Doyle
Fonte: Fawcett Adventure

Ter desaparecido foi o desfecho adequado ao coronel, pois ainda hoje estamos falando sobre ele e repletos de curiosidade. Indiana Jones foi baseado em Percy Fawcett, Arthur Conan Doyle escreveu um livro baseado nas histórias dele, e você também pode encontrar muitas referências às expedições de Percy na série de jogos “Uncharted”. Sem contar outros incontáveis filmes, livros e jogos que falam sobre lendas de cidades perdidas e exploradores desaparecidos.

Indiana Jones
Fonte: Wikipedia

Se ele tivesse emergido da selva sem encontrar sua Cidade Perdida de Z, ele certamente se consideraria um fracasso e logo seria esquecido, mas com seu desaparecimento seu espírito continua vivo até hoje, inclusive na cultura pop.

Uncharted
Fonte: Screen Rant

Será que a cidade perdida do coronel Fawcett um dia será finalmente encontrada? O mistério será resolvido? A cidade é real? Talvez. Mas como muitos descobriram, a selva esconde bem seus segredos e não os entrega facilmente.

 

Referências:
Fawcett Adventure
BBC
The Guardian
All that´s interesting
Ancient Origins
The Guardian
Reddit

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