You are currently viewing Hannah Upp: Fuga dissociativa e a síndrome de Jason Bourne
Fonte: New York Times

Hannah Upp: Fuga dissociativa e a síndrome de Jason Bourne

Feche seus olhos. Imagine, por um momento, que você não é você mesmo. Não que você seja outra pessoa – você é você, mas não sabe quem é. Você não sabe seu nome, onde mora ou quem era seu melhor amigo quando tinha 12 anos. É difícil, não é?

Foi o que aconteceu com Hannah Upp. Em 2008, ela desapareceu por três semanas depois de deixar seu apartamento em Nova York para fazer jogging. Após esse incidente, ela foi diagnosticada com fuga dissociativa, uma condição que a faz perder temporariamente todo o senso de quem ela é. Em 2017, ela desapareceu novamente e ninguém nunca mais a viu.

Quem é Hannah Upp?
Fonte: New York Times
Fonte: New York Times

Hannah Upp, que tinha 32 anos no momento do seu desaparecimento mais recente, era o tipo de pessoa que iluminava uma sala. Seus amigos e familiares a descrevem como uma pessoa extrovertida e apaixonada. Uma de suas amigas disse a um repórter: “Todo mundo com quem você fala diz que ela é a amiga mais próxima. Ela não tem barreiras. Ela foi criada para confiar e cuidar de todos, e ela o fez. Ela adorava cozinhar, ir a shows, fazer viagens e o oceano. Ela era professora e ótima nisso”.

O primeiro desaparecimento

Em 8 de agosto de 2008, Hannah desapareceu pela primeira vez. Ela deixou seu apartamento para correr ao longo da Riverside Drive, em Nova York, e não voltou. Sua carteira, passaporte, MetroCard e telefone foram encontrados na sua bolsa no chão do quarto – certamente não parecia que ela planejava desaparecer. Seus amigos e sua família a procuraram e espalharam milhares de folhetos pela cidade. Eles fizeram mapas dos parques, dividindo-os em quadrantes, e se organizaram em grupos de buscas para procurar nas florestas, nas trilhas e até embaixo dos bancos.

Ela estava desaparecida há cerca de duas semanas quando foi vista na Apple Store, no centro de Manhattan. Sua mãe, Barbara Bellus, a identificou nas imagens de segurança. Ela usava top esportivo e shorts de corrida, e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto. Outra câmera a capturou usando um dos laptops da loja para acessar sua conta do Gmail, olhando a tela por alguns segundos antes de ir embora.

Dois dias depois, ela foi vista em um Starbucks no SoHo, mas quando a polícia chegou, ela saiu pela porta dos fundos. Ela também foi vista em cinco academias e clubes esportivos de Nova York, onde o detetive que estava investigando seu desaparecimento achou que ela poderia ter ido tomar banho.

Notícia publicada no NYT quando ela foi encontrada
Fonte: New York Times

Em 16 de setembro, três semanas após seu desaparecimento, o capitão de um uma balsa de Staten Island viu uma mulher flutuando de bruços perto de Robbins Reef, um farol situado em uma ilha rochosa perto da Estátua da Liberdade. Dois marinheiros foram até ela em um barco de resgate. Quando a levantaram da água, ela ofegou por ar e começou a chorar.

Ela foi levada para o Centro Médico da Universidade de Richmond, em Staten Island, onde, depois de ser questionada pela equipe médica, tudo o que ela conseguia dizer era que seu nome é Hannah e o número de telefone de sua mãe. Barbara chegou ao hospital em menos de uma hora.

Hannah recebeu tratamento para hipotermia, desidratação e queimaduras graves no lado esquerdo do corpo causadas pelo sol, e sua condição física melhorou rapidamente. Mas apesar de várias entrevistas da polícia e algumas sessões de hipnoterapia, Hannah não se lembrava de nada que aconteceu nas últimas três semanas ou de qualquer evento que pudesse ter causado isso. Na verdade, ela não sabia nem que havia se passado tanto tempo e estava preocupada em montar o plano de aulas para o início do ano letivo. Sua última lembrança foi de uma corrida em Riverside Park, perto de seu apartamento, no dia em que desapareceu. Ela foi diagnosticada com fuga dissociativa, uma forma rara de amnésia.

Fuga Dissociativa

A fuga dissociativa é uma doença mental rara que se enquadra em um grupo de condições conhecidas como “distúrbios dissociativos”. A palavra “fuga” vem da palavra latina para voo – a palavra é adequada, considerando que um dos sintomas mais distintos da condição é “viagem” súbita ou inesperada para longe de casa.

Especialistas acreditam que quem sofre dessa condição perde temporariamente o acesso à sua memória autobiográfica e identidade pessoal. Ela pode estar associada a um estresse severo, que pode ser o resultado de eventos traumáticos passados ou presentes. O abuso de álcool ou certas drogas também pode induzir um estado de fuga, como “apagões” induzidos por álcool.

A condição é relativamente rara, com a frequência de diagnósticos aumentando durante períodos estressantes, como durante guerras ou após desastres naturais. O caso mais famoso da doença é Jason Bourne – o protagonista ficcional da franquia Bourne Identity.

Fonte: ALAMY / The Sun
O segundo desaparecimento

Hannah deixou a cidade de Nova York em 2010, tornando-se assistente de ensino em uma escola de Maryland, onde ela teve outro episódio de fuga dissociativa em setembro de 2013 e desapareceu por 2 dias.

Na manhã do primeiro dia de aula de Hannah nessa nova escola, Barbara recebeu um telefonema da polícia. Disseram-lhe que a bolsa, a carteira e o celular de Hannah foram encontrados em uma trilha arborizada em Kensington. Uma colega de trabalho relatou que, enquanto dirigia para a escola, viu Hannah andando rapidamente na direção contrária. A mãe e os amigos de Hannah foram de carro para Maryland e a procuraram na floresta e colocaram panfletos pela cidade. Eles descobriram que ela não dormiu em seu apartamento na noite anterior e que nas últimas 24 horas ninguém havia conversado com ela.

Fonte: NBC Washington

No dia seguinte, às 22:30, Barbara recebeu uma ligação de um número desconhecido. “Tudo o que ela disse foi ‘mãe?'” Barbara contou. Hannah havia se encontrado em um riacho sujo em uma área residencial em Wheaton, Maryland, a 1,6 km de sua escola. Hannah disse ter voltado a si de repente e caminhou até a área comercial mais próxima e pegou emprestado o telefone de um estranho. Ela percebeu que estava caminhando por mais de dois dias.

Mais tarde, Hannah revisou as mensagens de texto que enviou no dia em que desapareceu. “Pudemos ver nos textos onde ela fez essa transição”, disse Barbara. “Ela se lembrava de enviar alguns dos textos, mas chegou um momento em que ela disse: ‘Não me lembro de escrever nada disso'”.

Os amigos de Hannah ficaram impressionados com as semelhanças entre seus dois desaparecimentos. Nos dois casos, ela desapareceu no início do ano letivo e depois de viajar com o pai, David Upp, que era missionário no continente africano. Ele ponderou se as férias poderiam ser um gatilho para ela, mas eles sempre fizeram viagens juntos e ele não acredita que isso seja algo disruptivo ou perturbador.

Nas duas fugas, ela foi atraída pela água. Sua amiga Amy Scott disse: “A maneira como ela descreve é que ela se encontra em um corpo d’água e de repente percebe quem ela é”.

O terceiro desaparecimento

Em 2014 Hannah se mudou para St. Thomas, nas Ilhas Virgens, para um novo emprego como professora em uma escola pública local. A maioria de suas amigas na ilha disse que Hannah adorava morar lá e amava seu trabalho. Ela chegou a fazer terapia na ilha, mas preferiu dedicar mais atenção à sua saúde física. Ela nadava no oceano quase todos os dias, ficando tão forte que podia chegar a enseadas a mais de três quilômetros de distância.

Fonte: Facebook

Tudo estava bem até 2017, quando o furacão Irma atingiu o Caribe, seguido pelo furacão Maria uma semana depois. Durante esse caos, em 14 de setembro, Hannah desapareceu novamente. Ela deixou seu apartamento para nadar de manhã. De acordo com uma mensagem enviada para as amigas, ela disse que planejava ir à escola a tarde para ajudar a comunidade a se preparar para o furacão.

No entanto, ela nunca apareceu na escola. Sua colega de quarto Maggie Guzman ligou para os amigos mais próximos de Hannah, na ilha e nos Estados Unidos, mas ninguém tinha notícias dela. Era a mesma época do ano das duas fugas anteriores, e eles disseram à Maggie para procurar perto da água.

Maggie e outros amigos começaram as buscas pela praia favorita de Hannah, Sapphire Beach, onde ela costumava mergulhar. Perto da água, havia um pequeno bar que servia hambúrgueres e drinks. Em um banquinho, encontraram o vestido de Hannah, as sandálias e as chaves do carro. Os trabalhadores do bar disseram que descobriram os pertences dela na areia quando estavam limpando os destroços da tempestade. O carro de Hannah estava no estacionamento. Dentro do carro estavam a bolsa, a carteira, o passaporte e o telefone celular de Hannah.

Fonte: Newsweek

Na época, não se pôde ter certeza se o desaparecimento de Hannah era por causa de outro episódio de fuga dissociativa ou porque a ilha estava caótica devido aos múltiplos furacões. Sua família divulgou um comunicado na época dizendo: “Nossa amada Hannah desapareceu. Não sabemos o que aconteceu e esperamos que ela seja encontrada viva e bem. Nossos pensamentos e orações estão com Hannah e todos aqueles que continuam a procurar incansavelmente por ela. Sabemos que nosso medo e incerteza são compartilhados por muitos outros, e nosso coração está com todos que esperam.”

Mas com o passar do tempo, o paradeiro de Hannah permaneceu desconhecido. Sua família e amigos vasculharam o aeroporto, hospitais, abrigos para moradores de rua e o necrotério nas Ilhas Virgens, mas nenhum vestígio dela apareceu. Ela continua desaparecida até hoje.

O que aconteceu com Hannah?

Após o segundo episódio de fuga dissociativa, Barbara disse que os amigos lhe perguntaram: “Você não poderia colocar um chip nela, como faria em um cachorro?” A polícia de Maryland havia proposto o uso de uma tornozeleira eletrônica que mostrasse sempre sua localização. “Ela queria seguir em frente – ela se recusou a ser definida por isso – e eu escolhi honrar sua decisão”, disse Barbara. “Eu precisava deixar claro que não estou vivendo a vida da minha filha – ela está vivendo, e ela precisava ter a liberdade de fazer escolhas, e ela escolheu não usar a tornozeleira”.

Fonte: Newsweek

Se Hannah tivesse se afogado no caos dos furacões, seu corpo provavelmente flutuaria para a superfície dentro de alguns dias. Os bombeiros e a guarda costeira circularam todo o arquipélago em barcos de resgate e em helicópteros, e também entrevistaram capitães que entravam e saíam das marinas da ilha, mas nem sinal de Hannah.

Seus amigos desenvolveram uma série de teorias sobre o que poderia ter acontecido, e todas elas pareciam bem improváveis, mas sua sobrevivência em Nova York durante seu primeiro desaparecimento também pareceu improvável. Uma das amigas de Hannah acredita que ela poderia ter ido morar em uma das comunidades nativas que existem nas florestas da ilha. Outros acham que Hannah, que é fluente em espanhol, pode ter embarcado em um barco de resgate para Porto Rico, St. Croix ou Miami sem identidade ou passaporte, talvez até usando um nome diferente.

Após sua primeira fuga, Hannah deu à mãe “Viajar com romãs: uma história de mãe e filha”, um livro que é uma versão moderna do mito de Perséfone e Deméter. Hannah raramente falava sobre sua condição e seus desaparecimentos, mas Barbara ficou emocionada com o que sentiu ser uma alusão àquela experiência. Deméter procura na terra por sua filha, Perséfone, que foi levada para o submundo por Hades. “Lembro-me de ler que Perséfone cai em um abismo, e fiquei tomada pela emoção”, disse Barbara. Mesmo quando Perséfone é salva, Hades exige que ela retorne ao submundo todo ano, para passar 6 meses com ele. Após as duas outras fugas, Barbara conseguiu encontrar consolo no que descreveu como “o arquétipo primordial da filha que desce para o submundo e da mãe que a procura, custe o que custar”.

Depois de ficar aguardando por notícias e ver que as buscas não estavam dando resultado, Barbara foi para St. Thomas e eventualmente acabou se mudando para lá. Ela chegou à ilha em 21 de novembro, mais de dois meses depois que Hannah desapareceu, e quando a ilha estava começando a ser recuperar dos desastres.

Vez ou outra havia um avistamento. Muitas vezes eram as mesmas mulheres: uma professora branca de uma escola particular da ilha, ou uma mulher mais velha e sem-teto de Massachusetts que sempre rondava um shopping ao ar livre perto da marina.

No dia 23 de janeiro de 2018, dois assistentes sociais relataram que tinham acabado de ver Hannah em um prédio abandonado, onde as pessoas costumavam fumar crack. Barbara e um detetive do Departamento de Polícia das Ilhas Virgens, Albion George, dirigiram até o local para fazer a identificação. Albion subiu dois lances íngremes de escadas e quando chegou ao terceiro andar e viu a mulher ele pensou: “Meu Deus, é ela. Meu coração estava acelerado. Agarrei-a imediatamente e a algemei.”

A mulher era magra e tinha acne, e seu cabelo castanho claro estava preso em um coque. Seus olhos eram verdes, como os de Hannah. O detetive Albion desceu com a mulher alguns minutos depois e Barbara disse que aquela não era Hannah. A mulher estava gritando e chamando Albion de irresponsável, exigindo o número do crachá dele e dizendo que daria queixa sobre seu comportamento. Albion soltou as algemas da mulher e Bárbara lhe pediu desculpas, explicando que estava procurando sua filha. A mulher tinha visto os folhetos espalhados com a foto de Hannah e disse à Barbara: “Eu gostaria de ser sua filha para você. Tomara que você a encontre. Boa sorte.”

Isso foi o mais perto que Barbara chegou de encontrar Hannah.

E agora?

Sua família mantém a página Find Hannah Upp no Facebook e espera que ela esteja viva em algum lugar, talvez sob uma nova identidade. Ela também foi tema de um documentário produzido pelo canal A&E chamado “Desaparecida no Paraíso”, apresentado pela documentarista Elizabeth Vargas.

Sua família ficou apreensiva em apoiar o programa, mas acabou divulgando uma declaração afirmando que “Se Hannah ainda está viva em algum lugar, nunca sabemos que conexão inesperada pode nos levar a uma pista para localizá-la novamente.”

Hannah Upp tem atualmente 34 anos. Ela tem 1,74m de altura, cabelos castanhos claros e olhos verdes. Ela tem uma tatuagem de uma onda dentro de um triângulo na parte interna do tornozelo direito. Ela foi vista pela última vez em 14 de setembro de 2017 em St. Thomas.

Fonte: Facebook

Será que Hannah foi vítima dos furacões que atingiram a ilha? Será que Hannah entrou em um novo estado de fuga dissociativa e se esqueceu de quem era? Ela pode ter conseguido sair da ilha antes do segundo furacão e estar vivendo em algum lugar sem ter a menor ideia de quem é. Já se passaram 2 anos e meio desde a última vez que alguém a viu, então à essa altura qualquer possibilidade é válida. O que você acha que aconteceu com Hannah Upp?

Deixe um comentário