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Mistério em Boston – O roubo do museu Isabella Stewart Gardner

Em 18 de março de 1990, dois homens vestidos de policiais enganaram os seguranças do museu Isabella Stewart Gardner e conseguiram entrar no prédio sem problemas. Quando já estavam lá dentro, eles amarraram os guardas e saquearam o museu por mais de uma hora antes de escaparem de carro levando obras que valem mais de 600 milhões de dólares.

O Museu Isabella Stewart Gardner foi construído sob a orientação da colecionadora de arte de mesmo nome para abrigar sua coleção de arte pessoal. O museu foi aberto ao público em 1903, e Isabella continuou a expandir a coleção e organizá-la até sua morte em 1924. Ela deixou 3,6 milhões de dólares para o museu em seu testamento e estipulou que nenhum item da coleção poderia ser vendido, nem comprado, e que todos os itens deveriam permanecer exatamente no mesmo lugar que ela havia posicionado.

Uma pintura da própria Isabella
Fonte: Wikipedia

Ela era meio controladora. Eu até entendo não poder vender nada da coleção que ela passou a vida inteira adquirindo, mas é estranho não poder comprar mais nada. E mais estranho ainda não poder mudar nada de lugar. Mas a coleção era dela e o prédio também, então ela tem todo o direito de ser excêntrica.

Na década de 1980, o museu estava com poucos recursos, e por causa disso ele acabou ficando em más condições. Faltava um sistema de controle climático (que é extremamente necessário para preservar obras muito antigas), e além disso, o museu e as obras de arte também não tinham seguro, e o prédio estava precisando de uma manutenção básica.

Em 1982 o FBI descobriu uma conspiração de alguns mafiosos de Boston que pretendiam roubar o museu, alertaram à administração, e eles tiveram que arrecadar fundos para melhorar a segurança. Entre essas melhorias estavam 60 detectores de movimento infravermelhos e um sistema de circuito fechado de televisão que consistia em quatro câmeras colocadas em torno do perímetro do edifício. Mais seguranças também foram contratados.

A fachada do museu
Fonte: Wikipedia

Apesar dessas melhorias, a única maneira de chamar a polícia no museu (além de ligar para a polícia como a pessoas normais fazem) era através de um botão de pânico instalado na mesa da segurança.

Por volta de meia noite do dia 18 de março de 1990, um Dodge Daytona vermelho parou a menos de cem metros da entrada lateral do Museu ao longo da Palace Road. Dois homens com uniformes da polícia de Boston esperaram pelo menos uma hora dentro do carro, provavelmente tentando evitar serem notados por pessoas que saíam de uma festa de St. Patrick’s Day nas proximidades. Haviam dois seguranças trabalhando no museu naquela noite, Richard Abath e Randy Hestand, e eles eram as únicas pessoas no prédio.

O Richard já trabalhava no turno da noite regularmente, mas aquela era a primeira noite de Randy nesse turno. A política de segurança interna exigia que um dos guardas ficasse patrulhando as galerias com uma lanterna e um walkie-talkie, enquanto o outro ficava sentado na mesa da segurança. Richard foi quem fez a patrulha primeiro, e durante sua ronda, alarmes de incêndio soaram em diferentes salas do museu, mas ele não conseguiu localizar nenhum incêndio ou fumaça. Ele foi até a sala da segurança, onde o painel de controle do alarme de incêndio indicava fumaça em várias salas. Ele presumiu algum tipo de mau funcionamento e desligou o painel. Richard voltou a patrulhar e antes de completar a ronda, ele fez uma rápida parada na entrada lateral do museu. Nesse momento, ele abriu e fechou rapidamente a porta lateral que dava para a Palace Road, alegando mais tarde que ele tinha sido treinado para fazer isso para garantir que a porta estivesse trancada. Depois de completar sua ronda, Richard ocupou o lugar na mesa da segurança por volta de uma da manhã, e foi a vez de Randy começar a ronda.

Exatamente à uma e vinte e quatro da manhã, os dois homens que estavam desde meia noite no carro do lado de fora do museu, apertaram a campainha e disseram para Richard que eram policiais e que tinham ouvido no rádio um chamado para lidar com um distúrbio no pátio do museu e pediram para entrar. Richard sabia que não deveria permitir a entrada de ninguém, mas ele não tinha certeza se a regra se aplicava a policiais. Richard também não estava ciente de qualquer perturbação, mas teorizou que, como era o St. Patrick’s Day, talvez algum bêbado ou algum engraçadinho saindo de uma festa tivesse pulado o muro e alguém tivesse visto e relatado para a polícia.

O pátio do museu
Fonte: Wikipedia

Como os homens estavam usando uniformes da polícia, que Richard viu através de uma das câmeras externas, ele acreditou que eles realmente eram policiais. Richard então permitiu a entrada dos dois.

Quando os intrusos entraram e foram até a mesa da segurança, eles perguntaram a Richard se havia mais alguém no museu, o que ele confirmou, e os policiais pediram que Richard chamasse Randy pelo rádio e pedisse para ele descer. Um dos dois homens então disse a Richard que ele parecia muito familiar e que poderia ter um mandado de prisão contra ele. Richard saiu de trás de sua mesa, onde o único botão de alarme para alertar a polícia podia ser acessado, foi rapidamente questionado sobre sua identidade, ordenado a ficar de frente para a parede e então algemado. Ele estava imaginando que a prisão era algum mal-entendido, até que ele percebeu que não tinha sido revistado antes de ser algemado e que o bigode de um dos dois policiais era falso e parecia ser feito de cera.

Randy chegou minutos depois, também foi algemado, e perguntou aos invasores por que estava sendo preso. Os homens explicaram que eles não estavam sendo presos, e que na verdade aquilo era um assalto. Eles mostraram as armas, mandaram os seguranças não causarem problemas e envolveram a cabeça, olhos e boca deles com fita adesiva. Depois, sem nem ter que perguntar a direção, os ladrões levaram Richard e Randy até o porão do museu, onde eles foram algemados a canos. Os pés e as mãos dos dois também foram envolvidos com fita adesiva. Os ladrões examinaram as carteiras dos guardas e disseram que sabiam onde eles moravam e que se eles não contassem nada às autoridades receberiam uma recompensa em cerca de um ano. Os ladrões levaram 11 minutos para subjugar os guardas; então era cerca de 1:35 da manhã quando eles saíram do porão.

O Richard amarrado e cheio de fita adesiva no porão
Fonte: The tab

Como o museu era equipado com detectores de movimento, tudo que os ladrões fizeram no museu foi registrado. A primeira sala na qual eles entraram foi a Sala Holandesa, no segundo andar. Quando um dos ladrões se aproximou do “Autorretrato de Rembrandt”, um dispositivo começou a apitar, o que normalmente ocorria quando alguém estivesse muito perto de uma pintura. Os ladrões então destruíram o dispositivo.

Eles tiraram o autorretrato da parede e tentaram tirar a tela da moldura de madeira, o que foi impossível, porque a pintura tinha sido feita direto na madeira, não em uma tela. Ela era muito pesada e difícil de transportar, aí eles largaram no chão. Em vez disso eles levaram um outro autorretrato de Rembrandt, que era menor e mais antigo do que o que eles originalmente tentaram levar.

O autorretrato roubado
Fonte: Forbes

Os ladrões então retiraram da parede os quadros “A tempestade no mar da Galiléia” e “Uma senhora e um cavalheiro de preto”, ambos de Rembrandt, e os jogaram no chão de mármore para quebrar o vidro da frente. Eles então usaram uma lâmina para cortar as telas e tirá-las das molduras.

Eles fizeram a mesma coisa com “O Concerto” de Vermeer e “A Paisagem com um Obelisco” do Govert Flinck. A última peça que eles levaram da Sala Holandesa foi um vaso chinês de bronze, da Dinastia Shang.

O concerto, de Vermeer.
Fonte: Boston Magazine

À 1:51 da manhã, enquanto um ladrão continuava trabalhando na Sala Holandesa, o outro entrou em um corredor estreito apelidado de Galeria Curta na outra extremidade do segundo andar. O outro ladrão se juntou a ele em breve. Na Galeria, eles começaram a remover os parafusos de uma moldura que exibia uma bandeira napoleônica, provavelmente em uma tentativa de roubar a bandeira. Mas eles desistiram no meio do caminho, já que nem todos os parafusos foram removidos e apenas pegaram o remate de águia exposto no topo do mastro. Eles também levaram cinco esboços de Degas que ficavam expostos nessa galeria. Os ladrões então desceram para o primeiro andar e entraram na Sala Azul, de onde roubaram a tela “Chez Tortoni” de Manet.

Chez Tortoni, do Manet.
Fonte: FBI

O estranho é que os registros do detector de movimento mostram que os únicos passos detectados na Sala Azul naquela noite foram às 12h27 e novamente às 12h53. Esses horários correspondem à ronda de Richard Abath. Os ladrões ainda nem tinham entrado no museu, o que é um pouco suspeito, já que os dois ladrões não estavam fazendo questão de ser discretos e não deixar rastros.

Enquanto eles se preparavam para sair do museu, os ladrões ainda verificaram os guardas uma última vez e perguntaram se eles estavam confortáveis.

Eles então foram até o escritório do diretor de segurança, onde eles pegaram as fitas de vídeo que registravam a entrada deles na porta lateral do museu e os dados que haviam sido impressos pelo equipamento de detecção de movimento. Os dados de movimento ainda ficaram salvos em um disco rígido, que permaneceu intocado. A moldura da pintura de Manet (Chez Tortoni) foi deixada em cima da cadeira do diretor de segurança.

Os ladrões então iniciaram a movimentação para retirar as obras de arte do museu; a porta da entrada lateral foi aberta às 02h40 e novamente (pela última vez) às 02h45. Eles fizeram duas viagens até o carro para levar tudo que eles roubaram.

Os seguranças do turno seguinte chegaram ao museu no início da manhã e logo perceberam que algo estava errado porque eles não conseguiram entrar. Nenhum dos dois seguranças do turno da noite abriu as portas para eles, que ligaram então para o diretor de segurança. Ao entrar no prédio com suas chaves, o diretor não encontrou ninguém na mesa da segurança e chamou a polícia. Os policiais vasculharam o prédio até encontrarem os guardas ainda amarrados no porão.

A sala holandesa no dia seguinte ao roubo
Fonte: FBI

Ao todo, treze peças foram roubadas e o prejuízo foi estimado em 600 milhões de dólares, tornando esse o maior roubo de propriedade privada da história.

As obras mais valiosas foram aquelas retiradas da Sala Holandesa. Uma das pinturas, “O Concerto”, foi a primeira grande aquisição de Isabella Gardner e é uma das 34 obras conhecidas de Vermeer. Ela é considerada a obra de arte roubada e não recuperada mais valiosa da história, com um valor estimado em mais de 250 milhões de dólares. “A tempestade no mar da Galiléia”, é a única paisagem conhecida pintada por Rembrandt, com um valor estimado de 100 milhões de dólares.

A tempestade no mar da Galiléia, de Rembrandt.
Fonte: FBI

O último item retirado da Sala Holandesa foi um vaso de bronze de cerca de 25 cm de altura. Tradicionalmente usado para servir vinho na China antiga, ele era uma das obras mais velhas do museu, datando da Dinastia Shang no século 12 aC.

Vaso da dinastia Shang.
Fonte: FBI

“Chez Tortoni”, do pintor francês Édouard Manet foi o único item roubado no primeiro andar. Na Galeria Curta os ladrões levaram um remate da Águia Imperial Francesa de uma bandeira da Guarda Imperial de Napoleão. Os ladrões devem ter achado que a águia era de ouro, porque eles não teriam nenhum motivo para levar uma águia de bronze que não é nem famosa.

A águia de bronze que ficava na bandeira do Napoleão.
Fonte: FBI

A mistura eclética dos itens levados intrigou os especialistas. Embora algumas das pinturas fossem valiosas, os ladrões passaram por obras de Raphael, Botticelli e Michelangelo e as deixaram intactas, optando por levar itens relativamente sem valor como o vaso chinês e a águia de bronze. Os ladrões também nunca foram no terceiro andar, onde estava pendurado “O rapto da Europa”, de Ticiano, que era uma das pinturas mais valiosas de Boston.

O museu faz uma homenagem às obras perdidas deixando as molduras de todas as pinturas roubadas penduradas em seus locais originais. Assim eles também garantem que os espaços continuarão reservados para quando as obras voltarem para seu lar. Pelo menos essa é a explicação poética em que eles querem que a gente acredite. A verdade é que eles não têm escolha. Eles precisam deixar as molduras no lugar e aquele espaço vazio por causa do testamento de Isabella. Nada em sua coleção pode ser movido, em hipótese alguma.

Moldura vazia no museu
Fonte: BBC

Por causa dos poucos recursos do museu e da falta de uma apólice de seguro, o diretor teve que pedir ajuda das casas de leilões Sotheby’s e Christie’s para financiar uma recompensa de um milhão de dólares três dias após o roubo acontecer. Esse valor foi aumentado para cinco milhões de dólares em 1997, e duplicado para dez milhões em 2017. A recompensa é para “informações que conduzam diretamente à recuperação de todos os itens em boas condições”.

Em 1994, a diretora do museu Anne Hawley recebeu uma carta anônima. Os autores da carta explicaram que eles eram negociantes terceirizados e não sabiam a identidade dos ladrões. Eles também explicaram que as obras de arte estavam sendo mantidas sob condições climatizadas controladas, e que eles queriam imunidade para eles próprios e todos os outros envolvidos. O museu deveria providenciar 2,6 milhões de dólares, que deveriam ser depositados numa conta bancária offshore ao mesmo tempo em que as obras de arte fossem devolvidas. Se o museu estivesse interessado em negociar, eles deveriam publicar uma mensagem codificada no The Boston Globe. Para estabelecer credibilidade, os autores deram informações conhecidas apenas pelo museu e pelo FBI na época.

Anne Hawley sentiu que esta era uma pista muito boa, então ela contatou o FBI e o Boston Globe e a mensagem codificada foi impressa na edição de 1º de maio de 1994. Anne recebeu uma segunda carta alguns dias depois, na qual os autores reconheceram que o museu estava interessado em negociar, mas ficaram com medo do que eles perceberam ser uma investigação massiva da polícia estadual e do FBI para determinar as identidades dos envolvidos. Os autores explicaram que eles precisavam de tempo para avaliar suas opções, e nunca mais entraram em contato com o museu.

Os promotores federais declararam recentemente que quem devolver voluntariamente os itens não será processado. O estatuto de limitações expirou em 1995 também, portanto, os ladrões e qualquer pessoa que participou do roubo não podem mais ser processados.

Anne Hawley em uma das coletivas de imprensa tratando do roubo no museu. Fonte: Esquire

O museu até hoje implora para que as pinturas sejam mantidas em bom estado por quem as possuir atualmente. Anne Hawley afirmou que as obras devem ser mantidas em um ambiente estável de 50% de umidade e 21 ° C. Anne também pediu que evitem enrolar as pinturas, para não rachá-las. Se essas diretrizes não forem seguidas, as obras podem ser danificadas e irão perder seu valor. Também seria preciso fazer restaurações, o que prejudicaria a integridade das pinturas.

O FBI assumiu o controle do caso, alegando que as obras de arte provavelmente poderiam cruzar os limites do estado. Eles realizaram centenas de interrogatórios que se estenderam por todo o mundo, envolvendo a Scotland Yard, autoridades japonesas, francesas, chinesas, investigadores particulares, diretores de museus e negociantes de arte.

Os investigadores consideraram esse um caso único por causa da falta de evidências físicas. Os ladrões não deixaram pegadas, não foram encontrados fios de cabelos, e é inconclusivo se as impressões digitais na cena do crime eram dos ladrões ou de funcionários do museu. O FBI fez algumas análises de DNA nos anos seguintes, à medida que os avanços nessa área aumentaram. Mas infelizmente várias evidências já se perderam ao longo dos anos.

Os Suspeitos

Richard Abath – O primeiro suspeito de ter algum envolvimento com o roubo foi o segurança Richard Abath, é claro. Ele foi investigado logo de cara por causa de seu comportamento suspeito na noite do roubo. Como você deve se lembrar, durante a ronda Richard brevemente abriu e fechou a porta lateral, um movimento que alguns acreditam que poderia ter sido um sinal para os ladrões estacionados do lado de fora. Richard disse para as autoridades que fazia isso rotineiramente para garantir que a porta estivesse trancada. Mas um dos colegas de trabalho de Richard afirmou que se ele realmente fizesse isso sempre, como ele afirma, o diretor de segurança teria visto o registro da porta abrindo e fechando nos detectores de movimento e com certeza teria posto um fim nisso.

Richard Abath dando uma entrevista alguns anos depois.
Fonte: Boston Globe

Mais suspeitas foram levantadas por causa dos detectores de movimento do museu, que não detectaram nenhum movimento na Sala Azul durante os 81 minutos em que os ladrões estiveram no museu. Os únicos passos na sala naquela noite foram os do próprio Richard durante sua ronda. Um consultor de segurança foi chamado para verificar o detector algumas semanas após o roubo e determinou que ele estava operando corretamente. Richard mantém sua inocência, e o agente do FBI que supervisionou o caso nos anos 1990 afirmou que os seguranças do museu eram muito incompetentes, tolos e sem criatividade para terem cometido o crime.

Em 2015, o FBI divulgou um vídeo de segurança do museu na noite anterior ao roubo, que mostra Richard levando um homem não identificado para dentro do museu duas vezes em poucos minutos. O homem ficou por cerca de três minutos no saguão, depois saiu, entrou num carro e foi embora. Richard disse aos investigadores que não conseguia se lembrar do incidente ou reconhecer o homem, e então o FBI solicitou a ajuda do público. Vários ex-seguranças do museu se apresentaram e disseram que o estranho era o chefe de Richard, o vice-diretor de segurança do museu.

Whitey Bulger – O nosso segundo suspeito se chama Whitey Bulger, e ele era um dos mafiosos mais poderosos de Boston naquela época, líder da gangue Winter Hill. Whitey alegou que não ordenou o roubo e, na verdade mandou seus homens investigarem para descobrir quem assaltou o museu, afinal o roubo foi cometido no território dele. E ele precisava mostrar quem manda ali, ninguém podia chegar nos domínios de Whitey Bulger e fazer algo tão ousado sem esperar uma retaliação.

Whitey Bulger em suas mugshots uma das vezes que foi preso.
Fonte: New York Times.

Mesmo assim, o agente do FBI Thomas McShane investigou Whitey por seu envolvimento. Thomas determinou que os fortes laços de Whitey com a Polícia de Boston poderiam explicar como os ladrões adquiriram uniformes legítimos da polícia, ou até indicar que policiais de verdade foram contratados para executar o roubo. Whitey também tinha relações com o Exército Republicano Irlandês. Mas as investigações de Thomas sobre Whitey e o Exército não produziram nenhuma evidência que os vinculasse ao roubo.

Brian McDevitt – O terceiro suspeito se chama Brian McDevitt e ele era um vigarista de Boston que tentou, e não conseguiu, roubar a Hyde Collection de Glens Falls, em Nova York em 1981. Brian se disfarçou de motorista da FedEx, levou algemas e fita adesiva com ele e planejava roubar um Rembrandt. Isso te lembra alguma coisa? Ele também era aficionado por bandeiras e se parecia um pouco com o retrato falado de um dos ladrões. Os paralelos com o caso do museu Isabella Gardner fascinaram o FBI, então eles o interrogaram no final de 1990. Brian negou qualquer envolvimento no roubo e se recusou a fazer o teste do polígrafo. O FBI analisou suas impressões digitais, mas elas não correspondiam a nenhuma impressão encontrada na cena do crime.

Brian McDevitt
Fonte: WBur

Robert Guarente e Robert Gentile – Nós temos agora uma dupla como os próximos suspeitos, são dois Roberts, Robert Guarente e Robert Gentile. Guarente morreu de câncer em 2004 e sua viúva Elene disse ao FBI em 2010 que seu marido já havia possuído algumas daquelas pinturas que foram roubadas. Ela alegou que quando o marido adoeceu no início de 2000, ele deu as pinturas para Gentile, para que ele guardasse. Gentile negou as acusações, alegando que ele nunca recebeu as obras de arte e que não sabia de nada a respeito do paradeiro delas. As autoridades federais indiciaram Gentile por drogas em 2012, provavelmente em uma tentativa de pressioná-lo por informações sobre as obras de arte roubadas. Ele se submeteu a um teste de polígrafo que indicou que ele estava mentindo quando negou qualquer conhecimento sobre o furto ou localização das obras de arte. Gentile afirmou que estava dizendo a verdade e exigiu um novo teste. Durante o reteste, ele disse que Elene uma vez lhe mostrou o autorretrato de Rembrandt desaparecido, e o polígrafo indicou que ele estava dizendo a verdade.

Robert Guarantee
Fonte: Cinemaholic

Poucos dias depois, o FBI invadiu a casa de Gentile em Manchester com um mandado de busca. Eles encontraram uma sala secreta sob um piso falso no galpão do quintal, mas a sala estava vazia. O filho de Gentile explicou que a sala inundou alguns anos antes e seu pai ficou muito chateado porque o que quer que estivesse armazenado lá estragou e foi perdido. No porão da casa, eles encontraram uma cópia do Boston Herald de março de 1990 que falava sobre o roubo, junto com um pedaço de papel indicando por quanto cada obra podia ser vendida no mercado negro. Além dessas informações, nenhuma evidência conclusiva foi encontrada para indicar que ele já teve as pinturas.

Robert Gentile
Fonte: Cinemaholic

Depois de sair da prisão, Gentile falou com o repórter investigativo Stephen Kurkjian, alegando que ele foi vítima de uma armação do FBI. Ele explicou como a prisão afetou negativamente suas finanças e vida pessoal, e também explicou que a lista encontrada em seu porão foi escrita por um criminoso que tentava intermediar a devolução das obras de Guarente e estava conversando com Gentile como intermediário. Quando questionado sobre o que poderia estar na sala secreta, Gentile não conseguia se lembrar, mas acreditou que poderiam ser pequenos motores.

Bobby Donati – O próximo suspeito se chama Bobby Donati, e a história dele tem conexão com vários outros mafiosos. O Bobby foi assassinado em 1991 no meio de uma guerra de gangues. O envolvimento dele no roubo do museu foi insinuado depois que o notório ladrão de arte da Nova Inglaterra, Myles Connor Jr., falou com as autoridades. Myles estava na prisão no momento do roubo, mas ele acreditava que Bobby e o criminoso David Houghton tinham sido os mentores. Myles já havia trabalhado com Bobby em roubos de arte anteriores, e revelou que os dois já estiveram no Museu Gardner dando uma conferida no local e já tinham discutido a possibilidade de roubá-lo. Myles também afirmou que David o visitou na prisão após o roubo e disse que ele e Bobby eram os ladrões e que pretendiam usar as pinturas para tirar Myles da prisão. Se isso for verdade, eles provavelmente pegaram emprestada a ideia do próprio Myles, que já havia devolvido obras de arte para reduzir sentenças no passado.

Bobby Donatti
Fonte: WBur

Assim como Bobby, David também morreu dois anos após o roubo, mas foi de alguma doença em vez de assassinato e guerra de gangues. Depois de saber que os dois tinham morrido, o Myles sugeriu aos investigadores que conversassem com o criminoso e negociante de antiguidades William P. Youngworth.

David Houghton
Fonte: Weebly

Agindo sob a liderança de Myles, o FBI abriu um caso contra William e conduziu buscas em sua casa e suas lojas de antiguidades. As ações do FBI chamaram a atenção do jornalista Tom Mashberg, que começou a conversar com William sobre o roubo. Uma noite, em agosto de 1997, William ligou para Tom e disse que podia provar que ele tinha como devolver as pinturas do museu nas condições certas. Naquela noite, William pegou Tom nos escritórios do Boston Herald e o levou a um depósito no Brooklyn. William o conduziu para dentro de uma unidade de armazenamento com vários grandes tubos. Ele removeu uma pintura de seu tubo, desenrolou e mostrou a Tom sob a luz de uma lanterna. Para Tom, aquela pintura parecia ser a “tempestade no mar da Galiléia”. Ele notou rachaduras ao longo da tela, notou que as bordas foram cortadas (o que era consistente com os relatos do roubo no museu) e notou a assinatura de Rembrandt no leme do navio.

Myles Connor Jr.
Fonte: Harper Collins

Tom escreveu sobre sua experiência no Boston Herald, omitindo detalhes para esconder a identidade de William e a localização da pintura. Ele relatou que seu “informante” disse a ele que o roubo foi organizado por cinco homens e identificou dois: Bobby Donati e David Houghton. O FBI descobriu a localização do armazém vários meses depois e o invadiu, mas não encontraram mais nada.

William Youngworth
Fonte: Weebly

A veracidade das afirmações de William e a autenticidade da pintura mostrada a Tom foram contestadas, é claro. William então forneceu lascas de tinta para Tom, e as autoridades federais relataram que elas eram de fato da era de Rembrandt, mas não combinavam com os óleos usados ​​na “tempestade no mar da Galiléia”. A maneira como Tom descreveu a pintura como sendo “desenrolada” também foi examinada, já que a pintura roubada foi coberta com um verniz muito pesado que não enrolaria facilmente.

As autoridades federais e o museu começaram a trabalhar com William depois que a história de Tom foi publicada, mas ele dificultou as negociações. William não trabalharia com as autoridades a menos que suas demandas pudessem ser atendidas, e essas demandas incluíam imunidade total e a libertação de Myles Connor da prisão. As autoridades duvidaram da história de William e só ofereceram imunidade parcial. O procurador que supervisionava o caso ameaçou encerrar as negociações com William, a menos que ele pudesse fornecer evidências mais confiáveis ​​de que tinha acesso às obras do museu. William novamente forneceu um frasco de lascas de tinta, supostamente de “A tempestade no mar da Galiléia”, e 25 fotografias coloridas dessa pintura e da pintura “Uma senhora e um cavalheiro de preto”. Uma declaração conjunta do museu e de investigadores federais anunciou que as lascas de tinta não eram dos Rembrandts roubados, embora tenham sido testadas como sendo de pinturas do século 17 e poderiam ser potencialmente da tela “Concerto”, do Vermeer.

Uma senhora e o cavalheiro de preto
Fonte: FBI

Em 2014, o repórter investigativo Stephen Kurkjian escreveu ao gangster Vincent Ferrara, que era da mesma gangue de Bobby Donati, perguntando se ele tinha informações sobre o roubo do museu Gardner. Ele recebeu uma ligação de um associado de Vincent, que confirmou que Bobby organizou o roubo. Esse associado explicou que Bobby visitou Vincent na prisão cerca de três meses antes do roubo, e disse que faria algo para tirá-lo da prisão. Três meses depois, Vincent ouviu notícias sobre o roubo do Gardner, após o qual Bobby o visitou novamente e confirmou que ele estava envolvido.

Vincent Ferrara
Fonte: Mafia Wiki

Bobby supostamente alegou ter enterrado as obras de arte e que iniciaria uma negociação para a libertação de Vincent e de Myles assim que a investigação esfriasse. As negociações nunca ocorreram porque Bobby foi assassinado. Stephen acredita que Bobby foi motivado a libertar Vincent da prisão porque Vincent poderia protegê-lo na guerra de gangues, já que ele era um dos líderes da gangue que Bobby pertencia. E que a motivação dele para libertar Myles era porque os dois já haviam sido parceiros em roubos anteriores e Myles era um grande especialista em roubo de arte.

Um amigo de Robert Guarente também corroborou que Bobby Donati organizou o roubo e que foi Bobby quem deu pinturas a Guarente quando ele se preocupou com sua própria segurança. Bobby era amigo íntimo de Guarente. Os dois inclusive foram vistos em um bar poucos dias antes do assalto com uma sacola de uniformes da polícia.

Gangue Merlino – O FBI anunciou um progresso significativo em sua investigação em março de 2013. Eles relataram “com alto grau de confiança” que identificaram os ladrões, que acreditavam serem membros de uma organização criminosa com sede no Atlântico Central e na Nova Inglaterra, a Gangue Merlino. Eles também acreditam que as obras de arte foram transportadas para Connecticut e para a Filadélfia nos anos que se seguiram ao roubo. Algumas das obras de arte podem ter sido colocadas à venda na Filadélfia no início dos anos 2000, incluindo “A tempestade no mar da Galiléia”, mas não se sabe o que aconteceu com elas depois dessa tentativa de venda. Em 2015, o FBI afirmou que os dois ladrões que roubaram o museu em 1990 estavam mortos.

Joey Merlino, lider da Gangue Merlino
Fonte: The Guardian

Jerry e Rota Alter – Eu já estava encerrando a pesquisa desse caso quando eu me deparei com dois novos possíveis suspeitos do roubo, um casal chamado Jerry e Rita Alter. Eu encontrei um artigo do Washington Post que descreve um caso interessante em que a recuperação de uma pintura roubada revelou um mistério maior ainda.

Jerry e Rita Alter
Fonte: The Insider

Quando Jerry e Rita morreram, uma pintura original do Willem de Kooning avaliada em 160 milhões de dólares foi encontrada pendurada na parede do quarto deles. Essa pintura tinha sido roubada do Museu de Arte da Universidade do Arizona, em Tucson, em 1985. Algumas evidências sugerem que os dois realmente foram os ladrões originais: eles estavam em Tucson no dia anterior ao roubo e eles tinham um carro e roupas parecidas com as dos ladrões.

O de Kooning encontrado no quarto deles
Fonte: R7

Jerry e Rita foram professores de escolas públicas durante a maior parte de suas vidas. Mas eles viajaram para 140 países e tinham mais de dois milhões de dólares no banco quando morreram. De onde veio esse dinheiro? Como dois professores de escolas públicas tinham milhões de dólares nas contas e um de Kooning original pendurado no quarto quando morreram?

O quadro pendurado no quarto
Fonte: Artnet News

O retrato falado do ladrão do museu do Arizona se parece muito com o retrato falado do ladrão do museu de Boston.

Os retratos falados. Em cima os do Arizona, e embaixo os de Boston.
Fonte: The Times

O carro utilizado pelos ladrões no assalto em Boston foi identificado pelas testemunhas como um Dodge Daytona vermelho. A história do roubo do Arizona menciona um “carro esporte vermelho”.

O carro que pertencia ao casal Alter era um Nissan, Pulsar NX, que se parece muito com o Daytona. Seria fácil alguma testemunha confundir os dois modelos de carro.

Eu acho que esse casal é muito suspeito. É fato que eles já tinham roubado obras de arte de pelo menos um museu antes, eles tinham um estilo de vida que não condizia com os salários que eles ganhavam, então eu acho que eles podem ter cometido o outro roubo sim. A gente tem que lembrar também que o bigode de um dos ladrões era falso, poderia ser Rita disfarçada.

Conclusão

As pessoas de Boston, que moram na região do museu, acreditam que o segurança estava definitivamente envolvido de alguma forma, embora seja debatida a extensão desse envolvimento. Por que só a porta lateral, exatamente em frente ao local onde os ladrões estavam estacionados, foi aberta por ele? Isso é meio esquisito.

A porta abriu e fechou bem em frente ao local onde os ladrões estavam. Aí Richard troca de função com Randy, e fica na mesa da segurança. Logo em seguida os ladrões tocam a campainha e são autorizados a entrar sem qualquer verificação de seu status ou tentativa de descobrir se eles realmente deveriam estar lá. Ele então deixou a mesa e o botão de emergência e se colocou em posição de ser facilmente subjugado pelos ladrões.

E a gente não pode esquecer também que o único movimento detectado na sala do Manet foi do próprio Richard. É como se os ladrões não tivessem entrado na sala. E talvez não tenham entrado mesmo. As vezes essa parte do trabalho já tinha sido feita.

É uma pena que as pinturas nunca tenham sido recuperadas, e que a gente não faça nem ideia do paradeiro delas, porque essas pinturas são insubstituíveis. Existem tão poucas pinturas do Vermeer (só 34), que só uma delas ter sido roubada já é uma perda enorme. E a não ser que colecionadores tenham conseguido obter as pinturas, eu tenho certeza que elas não estão sendo bem tratados. Eu duvido muito que um ladrão esteja se preocupando com as condições climáticas corretas. Ainda mais que os ladrões não foram tão espertos e cortaram as pinturas das molduras, o que foi ultrajante, sendo que as pinturas valeriam muito mais se estivessem nas molduras originais.

O comércio ilegal de arte é um mundo muito fascinante, e falsificações de alta qualidade costumam ser tão valorizadas quanto os originais. Obras de arte roubadas geralmente acabam sendo vendidas por muito menos do que o valor estimado. Todas as obras de arte roubadas do Gardner, que valem 600 milhões de dólares, seriam vendidas no mercado negro por cerca de dez milhões. É vantajoso para colecionadores e negociadores inescrupulosos. E vantajoso para os ladrões também, que podem ganhar milhares ou até milhões de dólares.

Recentemente eu li alguns artigos sobre roubos de arte que mencionaram que obras de arte estão começando a substituir dinheiro em transações no submundo. Por exemplo, traficantes de drogas trocam drogas por obras de arte roubadas como uma garantia ou substituem o dinheiro pelas obras porque elas mantêm seu valor independente de valorização ou desvalorização da moeda e de inflação e forçam a transação a acontecer clandestinamente – você não pode procurar a polícia pra reclamar que o seu Vermeer foi roubado, sendo que ele já era uma obra de arte roubada antes de você adquirir. As autoridades temem que muitas dessas pinturas estejam percorrendo o submundo em vez de dinheiro.

Documentário do Netflix
Fonte: Netflix

Apesar dos esforços do FBI e de várias investigações no mundo todo, nenhuma prisão foi feita e até hoje nenhuma obra de arte foi recuperada. O Netflix recentemente lançou um documentário de 4 episódios sobre esse caso, intitulado “O maior roubo de arte de todos os tempos” e ele traz algumas entrevistas muito interessantes, como a de Myles Connor Jr. (um dos maiores ladrões de arte dos Estados Unidos). É claro que o documentário também não apresenta uma solução para esse caso, mas é interessante ver os rostos das pessoas de quem eu falei aqui. E sério, o Myles é hilário. Ele conta algumas histórias muito engraçadas sobre os crimes que ele cometeu, e ele fala como se isso fosse a coisa mais normal do mundo, na maior naturalidade. O que vocês acharam desse roubo? E qual dos suspeitos você acha que tem mais chances de ser o culpado do roubo? Comenta aqui embaixo e me conta sua opinião.

 

Referências:
Reddit
The Daily Beast
Wikipedia
Gardner Museum
Washington Post
Time
Deadline
New York Post

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